O fardo da farda

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Reportagem da Revista Veja de 1997

Sem dinheiro e com baixa escolaridade, os PMs são
a cara do brasileiro médio, mas vivem rotina de morte

 

 

Joaquim de Carvalho e Manoel Fernandes, do Recife

Tenente-coronel Nóbrega, da PM de São Paulo, comandante com 5600 reais de salário: “Alguns oficiais nunca se sentaram num banco de viatura”
Foto: Antonio Milena  

A farda é um símbolo tão fundamental para os militares quanto a batina para o clero — indica a camaradagem entre iguais e a diferença em relação aos outros. Os movimentos grevistas que contaminaram as polícias militares de vários Estados, no entanto, mostraram que a farda se reduziu a apenas aquilo que é: uma roupa. Os 360.000 PMs que existem em todo o país assistiram à mais ampla mobilização da corporação desde a época do império e deflagraram os mais duros questionamentos à política de enxugamento da máquina administrativa do presidente Fernando Henrique Cardoso. Deixaram claro que estão iguais demais ao brasileiro médio. Ganham como ele, acreditam nas mesmas coisas, são tão escolarizados quanto. Não é difícil entender, por isso, por que se consideram no direito de fazer greve: os sem-farda também podem. Em pesquisas realizadas pelas PMs de diferentes Estados, como São Paulo e Pernambuco, constatou-se que a escolaridade média do soldado da PM é baixa (1º grau), e é crescente o número de praças que se convertem à religião evangélica. Em Minas Gerais, os policiais das religiões protestantes, pentecostais e não pentecostais, chegam a 20% da tropa. Em Pernambuco, esse índice é de 15%. Nos quartéis, o alcoolismo é um problema tão sério quanto nas residências de boa parte dos paisanos. Mas o que mais aproxima os homens de farda do cidadão comum é o salário. Os vencimentos variam muito de Estado para Estado, mas nas regiões onde ganham mais, como Brasília, o salário bruto dos soldados não chega a 800 reais.

“Como um cão” — Comparado com o de outras categorias do serviço público, como professores primários, não é dos piores. Com uma diferença essencial. Quando um soldado se despede da família para ir trabalhar, o risco de que não retorne vivo é 100% maior que o de uma enfermeira ou qualquer outro funcionário público civil, com índice de baixa em serviço praticamente nulo. Em Pernambuco, onde na sexta-feira da semana passada os policiais militares completaram dez dias de greve, a morte foi um item da pauta de negociações com o governo de Miguel Arraes, do PSB. No ano passado, morreram 44 policiais, quatro deles defendendo agências bancárias. “Exigimos do governo coletes melhores que os atuais, que não resistem a balas de pistola automática”, diz o soldado Moisés Florêncio de Oliveira, um dos líderes da paralisação. Moisés recebe 300 reais por mês — 40 reais a mais que o salário médio dos praças. Em quinze anos de carreira militar, coleciona feitos gloriosos. Salvou uma moça de estupro ao atirar contra seu agressor, prendeu ladrões de lojas e, no ano passado, quando fazia a ronda dos bancos, evitou que a agência do Banco do Brasil no centro da cidade fosse assaltada, afugentando os ladrões a bala.

Um tal currículo de heroísmo, no entanto, não salva praças como Moisés da suprema humilhação. Os mesmos homens que arriscam a vida para proteger o patrimônio dos bancos são impedidos pela maior parte das agências no Recife de usar a cozinha para almoçar. É o banco que paga a alimentação, servida em marmitex, mas o policial tem de se virar na rua para encontrar um lugar onde possa comer sossegado. “Uso os estacionamentos”, conta o policial. “Alimento-me como um cão, no meio-fio.” Mas não foi esse tipo de tratamento que levou Moisés a se transformar, em setembro do ano passado, num dos fundadores da Associação dos Cabos e Soldados, entidade com declarado objetivo sindical que reivindica salários melhores, mais segurança e mudanças no regime disciplinar dos quartéis. Um de seus melhores amigos, o soldado Ivo Alves da Silva, com 33 anos, morreu porque morava num casebre vizinho ao do assaltante. “O ladrão o matou porque foi reconhecido”, afirma. Ivo deixou para sua família uma pensão mensal de 74 reais, o valor do seu salário-base, o chamado soldo, e nada mais.

Cabo Moacir Silva, 25 anos de PM em Pernambuco, 318 reais por mês, salário menor que o dos motoristas de ônibus: “Amo minha corporação, mas me envergonho do meu salário”
  Foto: Egberto Nogueira

Nas manifestações que os policiais militares promoveram pelas ruas de algumas das principais capitais, paisanos gritaram slogans contra os governos estaduais, jogaram papel picado sobre os grevistas, saudaram as tropas amotinadas, confraternizaram-se com elas. É uma reação inesperada, depois de episódios como a tortura e a morte na favela Naval, de Diadema, e a chacina de meninos de rua na Igreja da Candelária, no Rio. A explicação para a solidariedade está na geografia social do país — onde o PM é a última franja do Estado, e muitas vezes ali deixa uma marca que é difícil esquecer. São atos como o do soldado Vítor Loredo de Oliveira, de 31 anos. Há dois anos, ele estava em um ônibus de Porto Alegre quando três ladrões se levantaram de seus lugares apontando armas para o motorista e os passageiros. Oliveira, mesmo fora de seu horário de serviço, sacou rápido o revólver Rossi, calibre 38, e atirou. Saldo da ação: um ladrão morto, outro tetraplégico e o terceiro ferido. Promovido a cabo por ato de bravura, Oliveira foi chamado de herói pelo governador do Estado, Antônio Britto, do PMDB, e pelos jornais locais. Mas pouco lhe valeu. O herói Oliveira recebe 480 reais por mês e não consegue pagar todas as suas contas. A do armazém está um mês atrasada.

Comportamento excepcional — Trata-se de uma perigosa proximidade com a miséria. “Amo a corporação, mas me envergonho do meu salário”, afirma o cabo da PM de Pernambuco Moacir Alves da Silva, que depois de 25 anos de corporação só consegue levar para casa no final do mês um salário de 318 reais. É muito pouco mesmo. Na comparação com outras profissões, o policial de Pernambuco perde. Um caixa de banco em início de carreira recebe 418 reais e os seguranças das empresas particulares, 350. De um lado, dependendo dos salários e benefícios que o soldado recebe, começa a valer a pena sair da corporação. Em Pernambuco, há seis anos, uma greve de motoristas obrigou o governo a colocar soldados e cabos para dirigir os ônibus. Quando terminou a paralisação, pelo menos uma centena de policiais não quis retornar aos quartéis e se apresentou às empresas de ônibus em busca de uma vaga. De outro lado, corre-se o risco da quebra de hierarquia. É difícil para um PM acatar a ordem de reprimir trabalhadores sem-teto, quando ele próprio é um. Com salário líquido de 320 reais, há dois meses o soldado Anibaldo Ferreira de Souza, de 42 anos, casado, uma filha, se juntou a um grupo de 200 colegas de farda para invadir o Morro da Embratel, em Porto Alegre. Trata-se de uma área pública onde até pouco tempo atrás a PM criava porcos para alimentar as tropas. As casas que já existiam ali são mais precárias do que muitos barracos de favela. Os moradores puxaram a luz da casa de um policial que fica no pé do morro. Como não há banheiro, as famílias dos soldados usam uma fossa coletiva. Essa situação indigente fez com que, na terça-feira da semana passada, chamada a desocupar um terreno invadido por militantes do Movimento dos Sem-Terra, a tropa de choque protagonizasse uma cena inédita. Ao receber ordens para não entrar em confronto, cerca de vinte de seus integrantes deixaram a área tão aliviados que, a caminho do quartel, aplaudiram os invasores. “A situação deles é péssima. Vivem em situação de miséria. Como os PMs”, disse o soldado Marcelo Farias, de 29 anos. Do outro lado, o líder da invasão e diretor do MST no Rio Grande do Sul, Dionilso Marcon, 32 anos, também foi gentil: “Nenhum PM está aí porque quer. Eles cumprem ordem do governo. O caso deles é de desespero. Eles até estão calmos demais com a situação em que vivem. A família deles passa fome e ao mesmo tempo eles têm de controlar um povo faminto. A gente está no mesmo barco. A diferença é que eles carregam um revólver na cinta”.

Apesar de o salário não ser uma maravilha, do equipamento, ruim como é de imaginar, e dos riscos, imensos, não é fácil virar um PM. A Polícia Militar exige que, ao ser admitido em seus quadros, o policial tenha bom comportamento. Isso significa que, verificados os arquivos da Justiça e da polícia, nada tenha sido encontrado que o desabone — uma simples autuação por dirigir sem carteira é suficiente para barrá-lo no exame. Ao longo da carreira, o policial vai ganhando ou perdendo pontos. Num extremo, pode-se tornar pessoa de “comportamento excepcional”. Em outro, de “mau comportamento”. Quando é essa a situação, o militar pode até ser expulso da tropa. Curioso é que, de maneira geral, crimes como homicídios não são levados em consideração na avaliação do comportamento. Um policial como Otávio Gambra, o Rambo da favela Naval de Diadema, tinha duas acusações de homicídio e duas de tortura, mas até ser preso constavam apenas três punições de caráter administrativo, uma delas por chegar atrasado ao quartel.

Anibaldo Ferreira de Souza, soldado, 42 anos, com a família: há dois meses, uniu-se a mais 200 colegas para invadir um terreno público
Foto: Liane Neves  

“Efeito Diadema” — “É mais provável que na PM alguém seja punido por estar com a bota suja e não por ter matado alguém sem uma razão forte. Hoje a maior parte das punições dos PMs é por transgressões como casar sem pedir autorização e fumar na frente de um oficial”, diz Benedito Mariano, ouvidor da polícia de São Paulo. O quadro que o ouvidor descreve é rico em ensinamentos: mostra uma corporação em que a arrogância e o autoritarismo dos superiores — ocupados com a bota suja — têm mais peso que a preocupação em melhorar o atendimento à população. Além das conquistas salariais, o movimento dos PMs deixou os policiais em estado de graça. “Há dois meses, por causa das cenas do Rambo em Diadema, a população olhava para nós como se estivesse diante de um bandido. Agora, quando fazemos passeata, ela joga papel picado e aplaude. Era disso que estávamos precisando”, diz um dos líderes da greve em Pernambuco, o soldado Marcos Galindo. Na próxima quarta-feira, dia 30, a Ouvidoria da Polícia de São Paulo vai divulgar o relatório das denúncias recebidas no segundo trimestre e traz novidades provocadas, de acordo com o ouvidor Benedito Mariano, pelo “efeito Diadema”. “Pela primeira vez o abuso de autoridade é a principal denúncia do trimestre (normalmente é falta de policiamento ou ponto de drogas)”, diz Mariano. Também dobraram as denúncias de homicídio envolvendo PMs — foram dezessete entre janeiro e março — e de tortura — 24, no mesmo período.

Além de pequenos delinqüentes, a PM possui criminosos de alta periculosidade. Um deles é o mineiro Marco Antônio Ribeiro dos Santos, que sonhava com a carreira fardada desde menino e se tornou um assassino cruel depois de iniciar a carreira policial. Caçula entre quatro irmãos, teve infância humilde. A família vivia dos parcos rendimentos do pai, que era motorista de caminhão. Mesmo assim, conseguiu concluir o 1º grau. Em 1989, aos 19 anos de idade, foi admitido no curso de recrutas da polícia. Seis meses depois estava formado e trabalhando no policiamento do trânsito no bairro Eldorado, em Contagem. Com dois anos de farda já virara assaltante e tinha dois homicídios em sua folha corrida. Hoje, aos 28 anos, Marco Antônio está preso na penitenciária de segurança máxima de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde cumpre pena de 45 anos. Seguidor da Igreja do Evangelho Quadrangular, é visto orando durante boa parte do dia. “Peço para Ele me tirar daqui”, afirma. A PM não é feita de pessoas como ele e Rambo, mas preocupa a freqüência com que produz gente assim. O mais temido assaltante de carro-forte do interior do Nordeste é Jorge Grampão, ex-policial que há quatro anos trocou de lado. O mais conhecido comandante de esquadrão da morte de São Paulo é o Cabo Bruno. Há duas décadas, comparar a PM com a Polícia Civil era fazer um exercício inútil — pois os defeitos do pessoal de farda eram sempre mais leves que os dos paisanos. Agora a diferença diminuiu, e não é porque a Polícia Civil melhorou. Foi a PM que piorou.

José Zanicoski, aluno do curso de soldados em Curitiba, abandonou a faculdade de engenharia civil para vestir farda: “Aqui tenho possibilidade de fazer carreira”
  Foto: Jader da Rocha

Delinqüência, deserção e quebra de hierarquia, contudo, seriam problemas contornáveis com salários decentes e punições exemplares. A PM do Paraná, por exemplo, cujos vencimentos médios somam 668 reais, a terceira melhor remuneração do país, tem de se haver com um desafio dos bons. No último concurso de admissão no Paraná, realizado em maio deste ano para preencher 175 vagas nos batalhões de polícia rodoviária e de trânsito, houve 9.728 candidatos — uma relação de quase 56 interessados por vaga. A dúvida foi escolher os excelentes dentre um universo grande de bons e ótimos. O paranaense José Fernando Zanicoski, 27 anos, largou o curso de engenharia civil na PUC de Curitiba para prestar concurso e virar soldado. Hoje, como soldado-aluno, a patente mais baixa na hierarquia da PM, ele recebe salário bruto de 668 reais. A fase de aprendizado dura seis meses. Ao final dela, Zanicoski ganhará soldo de 735 reais, terá direito a assistência jurídica, médica e odontológica. Seu objetivo é prestar concurso para a academia de formação de oficiais, cujo inicial é de 2054 reais. “Não me arrependo de ter largado a engenharia. A concorrência nesse setor é muito grande e os salários, baixos. Além disso, teria de gastar todo mês, até me formar, os 550 reais da mensalidade escolar.”

Há mais um monte de benefícios. Num país com criminalidade alta, a carteira de policial é um passaporte valioso para clubes, estádios de futebol, parques de exposição e shows. Quando sua presença se torna constante em estabelecimentos comerciais, os proprietários, agradecidos, não cobram a pizza nem o café. “É preciso não confundir esses favores com a corrupção, mas que a carteirada existe existe”, diz o tenente-coronel Antônio Neto, da PM de Pernambuco.

O cabo Vítor Loredo de Oliveira, gaúcho, salário de 480 reais: troca de tiros, vidas salvas e conta pendurada no armazém
Foto: Liane Neves  

Há outras vantagens de ser PM, algumas modestas, como poder circular em ônibus de graça, e outras nem tanto. Num sistema de saúde cheio de buracos, os policiais possuem nos hospitais militares uma opção a anos-luz do SUS. Outros aspectos positivos são a possibilidade de carreira dentro da corporação e a estabilidade. Talvez sejam essas as razões pelas quais, embora reclamem que os salários estejam baixos, o número de pedidos de desligamento da Polícia Militar é dez vezes menor do que em qualquer organização da iniciativa privada. E isso em qualquer uma das PMs.

Com exceção de Minas Gerais, as PMs do Brasil nasceram por decreto de dom João VI, a partir de 1808, quando ele se instalou no Brasil com a família. Ou seja, tanto quanto o Jardim Botânico, o Banco do Brasil e a imprensa, a PM nasceu como uma conquista da civilidade. Sua estrutura era enxuta e a função básica era policiar as ruas. Hoje, o policial mais valorizado não é aquele que garante a ordem pública, mas o que se especializou em abrir portas para autoridades em palácio. São os chamados oficiais-maçaneta, os grandes marajás da corporação, que chegam a embolsar até 30.000 reais por mês, têm aposentadorias de milionário americano que mora em Miami só por causa do calor e ainda gozam o direito de deixar uma polpuda pensão para a patroa e as filhas solteiras. Em São Paulo, coronéis que trabalharam apenas um dia no palácio do governo, na Assembléia ou em um tribunal acumulam tantas gratificações que elevam para 11.000 reais o salário médio da patente. Oficiais que levam a vida dura da carreira ganham metade disso. É o caso do tenente-coronel José Ferreira de Nóbrega, de 46 anos, comandante do 22º Batalhão da capital. Comandante dos policiais da Zona Sul, onde estão os bairros mais violentos de São Paulo, Nóbrega arrisca um palpite sobre uma das causas de os policiais estarem se rebelando. “Outros oficiais sabem falar várias línguas, fizeram curso no exterior, mas nunca se sentaram no banco de uma viatura”, diz. Em palavras mais simples, os oficiais perderam a noção da realidade dos policiais, em que a rotina é de morte e o salário também.

Como fica a vida sem polícia

A greve da PM pernambucana, a primeira nos 172 anos da instituição, foi a senha para que punguistas, assaltantes e ladrões se movimentassem com toda a tranqüilidade pelo Recife. Também instaurou uma espécie de toque de recolher na capital pernambucana. Sem policiamento, aumentou a criminalidade, e a população, impotente, padeceu. A situação ruim, é certo, ainda assim esteve longe do caos alardeado pelos empresários que vendem serviços de segurança privada. Não houve a carnificina que chegou a ser noticiada em telejornais. Nos três primeiros dias da greve, quando os 1 000 homens do Exército ainda não estavam nas ruas, registraram-se quinze homicídios na região metropolitana do Recife. A média dos fins de semana é catorze. Os braços cruzados dos policiais pesaram mesmo na área que a polícia chama de crimes contra o patrimônio — assaltos, roubos e furtos de veículo. Esses delitos somaram 118 nos cinco primeiros dias da paralisação, um aumento de 40% em relação a períodos normais. A conseqüência da insegurança foi que praticamente nenhuma loja se aventurou a abrir as portas depois das 5 da tarde. E mesmo os shoppings, que sempre têm seu serviço de guardas particulares, tiveram de fechar duas horas mais cedo. Faltou clientela. Os lojistas amargaram queda de até 40% nas vendas. As ruas ficaram desertas e os bares, vazios. Nem as aulas nas escolas públicas, que deveriam ter-se iniciado na semana passada, aconteceram. Os professores não deram as caras por medo da bandidagem sem repressão.

Como a Polícia Civil também aderiu à greve, o governo teve de pedir a duas casas funerárias que fizessem o recolhimento dos corpos no lugar dos funcionários do Instituto Médico-Legal. Nos hospitais da Restauração e Getúlio Vargas, as necrópsias eram feitas por apenas três médicos. O Detran alterou o tráfego em dez vias do centro da capital e, numa atitude inédita, convocou quarenta funcionários das companhias de saneamento, água e luz para multar os motoristas que ficaram ainda mais abusados com a ausência dos 400 patrulheiros que monitoram as ruas. A maior empresa de ônibus da cidade, a Borborema, transportou 160 000 passageiros durante a greve — seu movimento normal é de 220 000. Também sofreu com os assaltos. Em épocas normais, a média é de um a cada dois dias. Entre sexta-feira e domingo da semana passada houve 21. Os supermercados reforçaram a segurança privada, mas até sexta-feira não havia sido registrado nenhum assalto ou saque, apenas duas tentativas frustradas. “Os policiais não têm o direito de nos deixar nesse estado de nervos”, reclamava o desesperado presidente da associação de supermercados, Geraldo José da Silva.

Sem condições — Foi a festa das empresas de segurança privada. No bairro de Rio Doce, em Olinda, a padaria Globo, que fica a 10 metros de um batalhão da PM, foi assaltada na tarde de terça-feira passada. O dono foi pedir ajuda aos soldados que guardavam o quartel. Ouviu apenas uma sugestão para que contratasse algum dos presentes como segurança. “Infelizmente não tivemos condições de atender a todos os pedidos”, diz Isnar de Castro e Silva, diretor da Transval, uma das grandes empresas de vigilância da cidade. A Nordeste, a maior delas, fazia as vezes da polícia, com seus agentes portando escopetas calibre 12 em ações de intimidação.

No interior do Estado, alarmadas com o noticiário da capital, algumas cidades armaram barricadas para impedir os assaltantes de ultrapassar seus limites. Quem quisesse, na semana passada, entrar no município de Brejo da Madre de Deus, a 201 quilômetros do Recife, tinha de mostrar documentos, submeter-se a revista e dar explicações a grupos de moradores armados, a postos nas seis principais vias de acesso à cidade. Barricadas de areia também foram colocadas em frente dos bancos e homens armados — civis, todos –, selecionados pela prefeitura, vigiavam os principais prédios.

Ricardo Novelino

Com reportagem de Andréa Barros e Ricardo Balthazar, de São Paulo,
Franco Iacomini, de Curitiba e
José Edward, de Belo Horizonte
 

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