“Em Brasília, chega a ser perigoso ser honesto”

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Adylson Motta Ex-presidente do TCU 

Ministro do Tribunal de Contas da União por sete anos e com cinco mandatos legislativos no currículo, o gaúcho Adylson Motta é testemunha de como os interesses políticos contaminam as decisões do principal órgão de controle das contas públicas do país.

O ex-presidente do TCU guarda decepções da época em que atuou na Corte. Em 2005, ele chegou a ameaçar não dar posse no TCU ao então senador Luiz Otávio (PMDB-PA), acusado de desviar R$ 12 milhões do BNDES. Motta organizou um protesto e a indicação foi rejeitada. A seguir, a síntese da entrevista concedida a ZH.

Zero Hora – Por que os órgãos de controle não conseguem frear a corrupção?

Adylson Motta – A legislação é frouxa. E as autoridades, em vez de tornarem as leis ainda mais severas, fazem o contrário. Isso está acontecendo agora, com as licitações para as obras da Copa do Mundo e da Olimpíada. Não há interesse em fiscalização. Um dos maiores problemas do país é a leniência dos governos. O próprio ex-presidente Lula procurava desmoralizar os órgãos de controle, como o TCU.

ZH – Dois dos envolvidos nas fraudes no Ministério dos Transportes já haviam sido citados em 140 acórdãos do TCU por conta de irregularidades, mas nada aconteceu. Por quê?

Motta – Prefiro nem falar sobre o TCU. Tenho um pensamento divergente da maioria dos ministros.

ZH – O senhor se desiludiu com o trabalho no tribunal?

Motta – Não cheguei a me desiludir, porque não tinha ilusões. Tive decepções. A maior talvez tenha sido o voto pelo qual eu dei a multa máxima ao então presidente do Banco Central, Gustavo Franco (em 2001, Franco foi multado em R$ 20 mil por liberar cinco agências bancárias de Foz do Iguaçu para remeter dinheiro ao Exterior). Quatro anos depois, logo que me aposentei, misteriosamente o meu voto foi desconsiderado.

ZH – O senhor tentou mudar essa cultura ao presidir o TCU?

Motta – Tentei, mas só ganhei antipatias por querer mudar as coisas. Se o Tribunal de Contas algum dia for rigoroso no cumprimento de suas funções, será o maior anteparo à corrupção no país. Mas, para isso, precisa de apoio dos três Poderes.

ZH – O senhor acha que o tribunal não deveria ser vinculado ao Congresso?

Motta – O TCU precisa de mais coragem para decidir. O corpo técnico faz um excelente trabalho, mas as decisões nem sempre correspondem a essa eficiência. Ainda existe uma lamentável ingerência política que vai contaminando as pessoas que desejam fazer as coisas de forma séria e bem feita.

ZH – O senhor é contra as indicações políticas para o tribunal?

Motta – Se o ministro tiver autonomia, tudo bem. Eu, por exemplo, fui eleito. Venci uma disputa com um ex-ministro e um ex-governador. Minha nomeação não foi um presente do presidente da República. Mas se criou no país uma cultura de condescendência. O Brasil perdeu a seriedade e, em Brasília, chega a ser perigoso ser honesto.

ZH – O senhor é um pessimista com relação à ética na política?

Motta – Completamente. Não vejo razão para ser otimista. Qual é a melhora que tem havido no Congresso? A única certeza é de que a próxima legislatura será pior do que essa.

ZH – Quando Luiz Antônio Pagot foi indicado para o Dnit, já era alvo de denúncias de irregularidades. Como evitar nomeações quando isso ocorre?

Motta – Deveria haver uma lei, algo parecido com a ficha limpa. Mas hoje quem decide são os partidos. E todos os partidos, sejam governo ou oposição, não têm mais autoridade moral. O maior problema é essa relação incestuosa dos políticos com os empresários. Quem faz uma campanha patrocinada, corrompida, à base de dinheiro de empreiteiras e bancos, vai desempenhar o mandato com as mãos amarradas. Campanha suja não pode ter mandato limpo.

 

ZERO HORA