Governo não cumpre o que prometeu e faz ameaças aos brigadianos

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Hierarquia da BM ameaçada

Definidos como “atos criminosos” pelo comandante-geral da BM, os protestos de PMs descontentes com os salários embaraçam a cúpula da Segurança Pública e abrem caminho para a quebra da rígida estrutura de comando militar. Entre a noite de quinta e madrugada de ontem, novos bloqueios com pneus incendiados em seis vias do Estado puseram mais combustível na delicada relação entre o comando da corporação e representantes dos soldados, aumentando o risco de insubordinação generalizada da tropa 

A tática de queimar pneus em rodovias como forma de reivindicar aumento salarial, adotada pela associação dos praças da Brigada Militar, constrange o comando da PM e a cúpula da Secretaria da Segurança Pública.

Entre o final da noite de quinta-feira e a madrugada de ontem, a fumaça negra das borrachas em chamas interrompeu o trânsito em quatro rodovias federais (numa delas em dois trechos), no Interior, e na avenida principal de Alvorada, na Região Metropolitana.

As manifestações, que limitam o direito de ir e vir dos motoristas, ocorreram em rodovias federais em Palmeira das Missões, Três de Maio, Sarandi e Rio Grande, em uma rodovia estadual em Gravataí e em uma avenida de Alvorada. Em três casos, foram deixados cartazes pedindo melhores salários para os policiais militares. Os atos, definidos pelo comandante-geral da Brigada Militar, Sérgio Abreu, como “criminosos”, ocultam um outro risco: a iminência de quebra de hierarquia e insubordinação na caserna, um dos pilares da rígida estrutura militar.

O relato de um oficial da cúpula da corporação, que pede para não ser identificado, ajuda a compreender a situação em que se encontram a Brigada e a Secretaria da Segurança Pública.

– Há o risco de insubordinação, à semelhança ao que já aconteceu em outros Estados. Nos quartéis, silenciosamente, o pessoal apoia as manifestações porque os salários dos soldados está muito defasado.

O mesmo coronel, que compartilha da intimidade do poder no QG da BM, apresenta uma dificuldade adicional:

– É complicado até para apurar responsabilidades porque, ao mesmo tempo que o pessoal do serviço de informações está mobilizado nas investigações, em paralelo, eles apoiam os protestos.

O sentimento nos quartéis apontado pelo oficial da ativa, sob anonimato, é explicitado pelo presidente da Associação dos Oficiais da Brigada Militar, José Carlos Riccardi Guimarães. Sem meias palavras, o tenente-coronel da reserva opina:

– Somos solidários aos praças que estão revoltados. Estou mais preocupado com a fome dos brigadianos do que com a quebra de hierarquia.

Em viagem a Rio Grande, o governador Tarso Genro prometeu pulso firme. Na mesma linha do coronel Abreu, Tarso definiu o protesto como um “delito”:

– Certamente será investigado pela Polícia Federal, e as pessoas vão responder. Não sei se tem conexão com o movimento dos brigadianos, tomara que não, porque se tiver é uma coisa grave, e algo que não pode ser colocado como pressão para negociação.

Em encontro com jornalistas num hotel no centro de Porto Alegre, no início da manhã, o secretário da Segurança Pública, Airton Michels, mostrou-se surpreendido com o radicalismo das ações. Conforme o secretário, uma reunião, que ocorreria horas mais tarde, estava agendada havia 10 dias:

– Não tem sentido este tipo de protesto. São atos criminosos que serão investigados.

A posição enérgica do governador e de seus secretários parece ter surtido efeito. Ao final de uma reunião tensa de duas horas com o chefe da Casa Civil, Carlos Pestana, e o secretário Michels, o presidente da Associação Beneficente Antonio Mendes Filho (Abamf), Leonel Lucas, anunciou uma trégua. Até que novos pneus voltem a arder.

*Colaborou Roberto Witter

CARLOS ETCHICHURY E CARLOS WAGNER

Piratini exige fim de queima de pneus

Ao condicionar a negociação do aumento salarial ao fim dos protestos com queima de pneus nas estradas federais, o governo estadual deixou claro ontem à direção da Associação Beneficente Antonio Mendes Filhos (Abamf), que representa os servidores de nível médio da Brigada Militar (BM), que não quer ficar refém dos PMs descontentes.

Ao final do encontro de cerca de duas horas no Palácio Piratini, o presidente da Abamf, Leonel Lucas, e o chefe da Casa Civil, Carlos Pestana, anunciaram a suspensão das manifestações até quarta-feira, quando deverá ocorrer um novo encontro.

A reivindicação da Abamf é de que o salário de um soldado da Brigada passe dos atuais R$ 1,2 mil, em média, para R$ 3,2 mil. O reajuste seria escalonado ao longo de quatro anos. Alegando fatores econômicos que fogem do controle do governo, Pestana disse que o governo não pode se comprometer com um grande aumento a ser cumprido nos anos seguintes.

– Podemos nos comprometer a aumentar o salário em 16% (descontando 6,32% já concedidos) até março do ano seguinte, o que representa um aumento real bem significativo – afirmou o chefe da Casa Civil.

Embora o governo afirme que há um processo de negociação de salarial em andamento, Lucas considera que dificilmente teria ocorrido avanços se a tática de bloquear estradas não tivesse sido colocada em prática.

– De todos as policiais militares do país, nós recebemos o pior salário. Estamos agindo de acordo com a situação – afirma o presidente da Abamf.

Em Rio Grande, onde recebeu ontem uma condecoração da Marinha ao lado do ex-governador Olívio Dutra e palestrou para empresários, o governador Tarso Genro repudiou a tática de bloquear estradas:

– É uma mancha no bom prestígio da Brigada Militar com a sociedade. Um exemplo de como não se deve comportar uma corporação mediante negociação. Eu até desconfio que quem está fazendo isso está afim de sabotar as negociações que o governo do Estado está fazendo com a corporação.

O governador, no entanto, reconheceu que o salário do policiais militares gaúchos é “vergonhoso”.

Estradas em chamas
4 DE AGOSTO
– BR-386, em Frederico Westphalen
SEGUNDA-FEIRA
– BR-285, em Passo Fundo
TERÇA-FEIRA
– BR-116, em Tapes
– ERS-344, em Santa Rosa
QUARTA-FEIRA
– BR-116, em Estância Velha
– BR-153, em Erechim
ONTEM
– BR-392, em Rio Grande
– BR-158, km 105 da rodovia Palmeira das Missões-Condor
– BR-468, km 6 da rodovia Palmeira das Missões-Coronel Bicaco
– ERS-118, em Gravataí
– Avenida Getúlio Vargas, em Alvorada
– BR-472, em Três de Maio

“É um movimento criminoso”

Sérgio Abreu, comandante-geral da Brigada Militar

Aos 51 anos, o comandante-geral da BM, coronel Sergio Abreu, enfrenta o maior desafio em três décadas de corporação: a insubordinação de setores da tropa. Na noite de ontem, após participar de reuniões com o secretário da Segurança Pública, Airton Michels, e o governador Tarso Genro, Abreu concedeu a seguinte entrevista a Zero Hora:

Zero Hora – Qual o dano que este movimento causa à hierarquia militar, o principal pilar da organização?

Sérgio Abreu – Nós temos de diferenciar o movimento em duas partes. Primeiro, há uma reinvindicação dos praças, que buscam melhoria salarial. É uma questão democrática. O segundo aspecto é a colocação de pneus queimando em rodovias. É um movimento criminoso, que fere a lei. Quem garante a ordem não faz desordem.

ZH – Qual o prejuízo que este movimento está causando à imagem da BM?

Abreu – O nosso grande receio é que a população possa associar estes movimentos à Brigada Militar. Mas a sociedade pode ficar tranquila porque isso não vai alterar a qualidade dos serviços prestados pela Brigada.

ZH – O senhor já deve ter em mão um relatório do serviço de inteligência da BM. Qual a dimensão deste movimento dentro dos quartéis?

Abreu – Atualmente não temos nenhuma interferência interna. É um movimento de fora da corporação, pontual, que não tem repercussão dentro da corporação. Certamente muitos PMs repudiam medidas extremas. Quem queima pneu numa rodovia realiza ato criminoso.

ZH – O senhor teme passar para a história como o comandante que tolerou táticas radicais nas manifestações de PMs?

Abreu – De forma alguma. Até porque nós não toleramos táticas radicais. Nós já determinamos aos comandos regionais ações das 0h às 6h, em rodovias estaduais, e estamos fazendo levantamentos junto a vulcanizadoras, também para verificar a questão dos pneus. A conta parece estar comigo, mas o que está acontecendo é nas rodovias federais. O nosso serviço de inteligência está se articulando com a inteligência da PRF para atuar de forma articulada.

Secretário critica a postura de policiais 

O secretário da Segurança Pública, Airton Michels, criticou ontem a postura da Polícia Civil ao tornar público o envolvimento do jovem Jacson Nauta de Quadros, o Jundiá, 19 anos, como suspeito de estupro e agressões a uma mulher, em 5 de agosto, em Novo Hamburgo. Baseada na versão da vítima, a Delegacia Regional da Polícia Civil no Vale dos Sinos divulgou o nome e a fotografia de Jundiá como um dos autores do crime.

Mas logo depois, o governo federal informou que, no dia em que ocorreu o estupro, Jundiá estava longe do Rio Grande do Sul, sob abrigo do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (Ppcaam).

– O que existe de concreto, hoje, é que esse cidadão não poderia estar aqui naquela data. A polícia fez bem seu trabalho, tanto que a investigação decorreu de um pedido de prisão preventiva deferido pela Justiça. Mas eu critico a conotação midiática que se deu para esse caso, a partir da postura de quem investigou de, naquele momento, tornar público esse fato. Critiquei pessoalmente o delegado e o próprio chefe de Polícia – afirmou Michels.

Jundiá deve ser ouvido nos próximos dias

Sentado à mesa com Michels, o chefe de Polícia, Ranolfo Vieira Junior, evitou comentar os desdobramentos do caso.

– É um fato de extrema gravidade. Através do relato da vítima foi pedida a prisão que foi decretada na mesma madrugada. Nesses casos, a palavra da vítima é muito importante. Depois, veio a informação de que ele poderia estar em outro Estado. A missão da polícia é elucidar o fato. Depois vamos fazer a avaliação sobre a conduta do servidor – disse Ranolfo.

A suposta participação de Jundiá, autor de homicídios em série durante a adolescência, está sob investigação por ordem da Justiça, com a possibilidade de coleta de material dele para exame de DNA.

Jundiá deverá ser ouvido pela polícia nos próximos dias.

CAMINHO PERIGOSO

Das duas horas da conversa dos secretários Carlos Pestana, Airton Michels e Stela Farias com os líderes da Associação de Cabos e Soldados da Brigada Militar, ontem, 45 minutos foram gastos numa preliminar: o governo exige que cessem as manifestações violentas, como a queima de pneus e o bloqueio de estradas.

Advertidos de que, se os protestos violentos continuarem, a negociação será interrompida, os brigadianos se comprometeram a dar uma trégua até quarta-feira.

A preocupação é não se tornar refém dos brigadianos, passando à população a ideia de que o governo perdeu o controle sobre quem tem a responsabilidade de cuidar da segurança. Outra preocupação é com a possibilidade de outras categorias acharem que o caminho para negociar aumentos salariais é o da violência. O Piratini avisa que quem optar por esse caminho vai pegar o bonde errado.

ZERO HORA