Governo ameaça romper diálogo

42

Manifestações em estradas podem comprometer reunião marcada para hoje em que deve ser apresentada proposta a policiais 

O cenário bélico em rodovias no Estado tende a se agravar. A série de protestos com queima de pneus, clamando aumento salarial para PMs, cresce a cada madrugada, e o governo do Estado acena com a possibilidade de se afastar da mesa de negociações com a entidade que representa os soldados da Brigada Militar (BM), a Associação Beneficente Antônio Mendes Filho (Abamf).

Dos 19 casos desde o começo de agosto, pelo menos sete tiveram o apoio da Abamf.

– A Abamf só será reconhecida como fonte de negociação se ela tiver uma posição firme contra essas atitudes criminosas e se desvincular completamente delas – afirmou o governador Tarso Genro.

Tarso ressaltou que uma proposta para uma entidade só deve ser feita quando ela tiver uma posição clara sobre o respeito às leis e à Constituição. O governador disse ainda que o Piratini prosseguirá negociando reajuste salarial de PMs, mas não necessariamente com a associação de soldados.

– A negociação não precisa ser com uma fonte, a Abamf. Temos o comandante da BM e o secretário de Segurança com quem podemos discutir questões salarias.

O secretário de Segurança Pública, Airton Michels, foi enfático:

– Se continuar a queima de pneus, a conversa pode acabar.

Reunião hoje no Piratini com policiais deve ser tensa

Ontem à tarde, Michels, o chefe da Casa Civil, Carlos Pestana, e integrantes das secretarias da Fazenda e da Administração se reuniriam para estudar propostas a serem apresentadas hoje aos PMs. O encontro com a Abamf está marcado para as 10h30min no Palácio Piratini e promete ser tensa.

O presidente da Abamf, Leonel Lucas, garante que desde sexta-feira passada, quando se reuniu com o governo, não ocorreram novos protestos com o apoio da associação.

– Abrimos diálogo com o governo e nos posicionamos contra a queima de pneus – disse Lucas.

Sobre a possibilidade de a entidade ser afastada das tratativas, Lucas dá um recado ao governo:

– Se a Abamf é o empecilho, estamos dispostos a sair da negociação, mas o governo tem de cumprir suas promessas de melhoria salarial.

JOSÉ LUÍS COSTA  

Ex-chefes dizem que momento é delicado

Quem já enfrentou pressões internas ao ocupar o cargo mais importante da Brigada Militar afirma que o momento é delicado e de desconforto para o atual comandante-geral, coronel Sérgio Roberto de Abreu.

À frente da BM em 2007, o coronel Nilson Nobre Bueno se diz perplexo com a situação.

– Parece que isso não é verdade. É muito ruim quando o PM passar para o outro lado. A instituição é a grande perdedora, está sendo mal vista e perde credibilidade. A situação é gravíssima – afirma.

O coronel João Carlos Trindade, comandante-geral entre 2008 a 2010, lembra que, por imposição do cargo, o comandante tem de fazer o meio-campo entre a tropa e o governo do Estado, precisando manter serenidade e equilíbrio em todas as discussões.

– É uma situação desagradável para qualquer comandante. E o cenário é preocupante porque hoje há uma conscientização, de soldado a coronel, que só com pressão é possível conseguir uma evolução salarial. E eu reconheço isso – lamenta Trindade.

Modelo de cedência de PMs recebe críticas

Antecessor de Trindade, Paulo Roberto Mendes diz que o comandante-geral sofre em dobro porque ele não tem poderes para decidir sobre reajustes, prerrogativa do Palácio Piratini que gerencia o Orçamento do Estado. O coronel Nelson Pafiadache da Rocha, comandante-geral entre 2003 e 2004, tem raciocínio semelhante, mas vai além:

– Sou solidário com o comandante Sérgio. É um homem ponderado, sensível à causa de todos, mas deve estar constrangido, de mãos atadas, porque seu poder de fogo é reduzido e sempre tem alguém perto do poder, pronto para assumir o lugar dele – afirma Pafiadache.

O ex-comandante critica o modelo como PMs – praças e oficiais – são cedidos para associações durante anos, o que os afasta dos princípios de hierarquia e disciplina da BM, e permite, conforme Pafiadache, que se envolvam em protestos que abalam a imagem da corporação:

– Essas pessoas passam mais tempo fora do que na BM. É preciso colocá-los em forma.

“Já ultrapassou os limites”

Sérgio Roberto de Abreu, comandante-geral da Brigada Militar

Sob o fogo cerrado de manifestantes que queimam pneus em rodovias reivindicando melhores salários a PMs, o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Sérgio Roberto de Abreu, afirma que acabar com os protestos e identificar os autores são prioridades. Apesar de estar à frente do comando em um momento de turbulência, Sérgio refuta a existência de uma onda de insurgência, garante que a BM presta seus serviços normalmente e diz que pressões fazem parte do cotidiano. A seguir trechos da entrevista concedida a ZH durante o Seminário Nacional de Polícia Comunitária, na Capital.

Zero Hora – Os protestos por melhores salários de PMs nas estradas não param. Não há registro na história recente da BM de situação semelhante. A hierarquia foi quebrada na BM?

Sérgio Roberto de Abreu – Não. Até acho exagero a abordagem de algumas reportagens, falando em insubordinação. Pelo contrário, as atividades dos quartéis funcionam normalmente. Os termos insubordinação e revolta são exagerados, que não refletem o cotidiano da BM. As atividades da BM não sofrem prejuízo. Por isso, eu entendo que quem está fazendo isso não seja os PMs que estão trabalhando no dia a dia.

ZH – Quem são essas pessoas?

Sérgio – Não sabemos porque ainda não temos a identificação clara. Não podemos aceitar medidas radicais e dessa magnitude. Agora, já ultrapassou os limites. Se houve uma organização desse movimento, hoje ela não se mostra tão organizada assim e não atende a um comando.

ZH – O que o senhor tem feito para cessar essas manifestações que partem de pessoas ligadas à tropa, que tem como alicerce a disciplina?

Sérgio – Tomamos uma série de providências para prevenir essas ocorrências e identificar os autores. Esse tipo de atitude tem ocorrido em estradas federais, provocando dano, incêndio. Queimar pneu é crime ambiental. E nas estradas federais é um delito de combate imediato da Polícia Rodoviária Federal.

ZH – Mas mesmo que seja em rodovia federal, a BM não deveria atuar…

Sérgio – A BM não tem competência para atuar em rodovia federal. Está havendo uma confusão e colocando toda a responsabilidade na BM.

ZH – Nos sete protestos que a Abamf admite ter apoiado, a entidade será responsabilizada?

Sérgio – Estamos analisando qual a repercussão dessa declaração, se ela realmente assumiu. Estamos avaliando em que medida isso caracteriza infração.

ZH – Mas se ficar caracterizado, será punida?

Sérgio – Se tiver de responsabilizar A ou B por esse fato, na esfera de competência do comandante-geral da BM, será responsabilizado.

ZH – A dificuldade para solucionar a questão salarial é grande?

Sérgio – O governo está fazendo estudos. É um tema complexo. Entendemos que é necessário a recuperação salarial dos PMs.

ZH – A situação parece que tende a piorar. A Associação dos Oficiais (Asof) promete fazer protestos. Diz que vai impedir de rodar viatura com imposto atrasado ou sinaleira queimada, interditar estradas em mau estado de conservação, os bombeiros vão interditar prédio públicos em desacordo com a legislação. Como lidar com isso?

Sérgio – Não tenho conhecimento dessas afirmações. É preciso cautela nesse momento. A Asof tem de apresentar uma proposta para o governo, porque até agora não apresentou nada.

ZH – Os protestos desestabilizam o seu trabalho no dia a dia, causam desconforto?

Sérgio – Não. Estamos muito maduros. Temos toda uma estrutura interna que dá sustentação ao comando. São protestos localizados, não são generalizados.

ZH – Os protestos seriam um boicote ao governo e ao comando da BM?

Sérgio – Não entendo dessa forma, pois seria uma atitude muito leviana.

ZH – A pressão é muito grande?

Sérgio – Não me sinto pressionado.

Chama nas rodovias
Protestos nas estradas começaram em agosto:
– As manifestações por melhores salários para os policais militares foram realizadas, desde o começo de agosto, em 19 municípios. Na madrugada de ontem, pneus queimados (foto acima) bloquearam trecho da estrada Rosário do Sul-Santana do Livramento (BR-158), em Rosário do Sul, município localizado na região da Campanha.

ZERO HORA