Precatórios ganham novas alternativas de uso

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Judiciário já tem aceitado utilização de débitos do Estado como garantia de penhora de execução fiscal de empresas

A longa espera pelo pagamento dos precatórios do governo do Estado pode não estar perto do fim para muitos credores, mas vê passar pelo caminho uma série de alternativas para o destino desses créditos. São projetos de lei e negociações que prometem dar uma expectativa a mais a quem está na fila e sem esperança de ver sua dívida honrada. O uso dos créditos, no entanto, não envolve apenas os servidores públicos – maioria entre os credores – ou pensionistas, como boa parte dos filiados ao Sindicato dos Pensionistas e Aposentados do Estado do Rio Grande do Sul (Sinapers), promotores do tricô dos precatórios, movimento que se tornou símbolo do extenso aguardo. Empresas também estão de olho na possibilidade de aproveitar os débitos do Estado para ganhar tempo e dinheiro.

O Judiciário do Rio Grande do Sul tem aceitado créditos de precatórios em garantia de penhora de execução fiscal. O desembargador Irineu Mariani recentemente presidiu e redigiu processo favorável à solicitação da América Móveis e Eletrodomésticos, que pedia justamente a penhora de quantia devida pelo Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (Ipergs) em relação à execução de dívida de ICMS. Mariani relata que, apesar da grande repercussão e debate atual em torno dos precatórios, esse tipo de decisão já vem sendo tomada pela Justiça há cerca de uma década.

O magistrado explica que, para ingressar com as ações, as empresas negociam títulos anteriormente adquiridos dos credores originais por intermediadores, em uma operação lícita e prevista constitucionalmente. O desembargador observa que o valor oferecido pela dívida (valor de mercado) está abaixo do que ela realmente vale (o chamado valor de face). “Os credores desses precatórios, necessitados de apurarem algum valor, começaram a negociá-los”, diz. “E a diferença entre o valor de face e o valor que o credor consegue, nós temos visto que é de 25% a 30% do valor original, é o chamado deságio”, acrescenta Mariani. Ele afirma que essas operações ocorrem diante do duplo descumprimento da lei por parte do governo: primeiro por não dar o reajuste salarial aos trabalhadores, e depois com o não pagamento dos precatórios, que reafirmam a primeira dívida.

Assim, o comprador do crédito fica como se fosse o primeiro credor do título, sendo portador do valor original da dívida do Estado, podendo esperar o pagamento ou negociá-la. Essa proposta é defendida pelo advogado da Associação Nacional dos Servidores Públicos (ANSP), Nelson Lacerda, que se especializou no modelo de compra e venda dos títulos. De acordo com ele, essa foi a maneira encontrada para que os precatoristas recebam alguma quantia em troca de sua dívida.

Lacerda argumenta que a penhora por parte das empresas – que quando aceita pela Justiça suspende a execução da dívida até o pagamento do precatório – também faz com que o Estado se veja obrigado  a liquidar seus débitos e, assim, desenrolar a arrecadação em cobrança. “Essa é a única forma para que algumas pessoas recebam enquanto estão vivas, são pessoas que esperam há mais de 15 anos, com necessidades, e só essas que vendem com deságio, as outras vão esperar”, frisa.

O vice-presidente da comissão de precatórios da OAB-RS e assessor jurídico do Sinapers, Ricardo Hanna Bertelli, é mais cauteloso ao falar dessa possibilidade. Apesar de a negociação dos créditos parecer vantajosa tanto para precatoristas quanto para empresas, Bertelli lembra que, no caso de a dívida ser executada e o precatório ser apresentado junto a outros bens da pessoa jurídica (se esta não tiver o valor do débito para entregar ao governo) os títulos serão leiloados pelo valor de mercado, e não pelo valor que, de fato, valem. Ou seja, serão oferecidos pelo mesmos 25% a 30% do valor de face. “Além disso, se o governo não consegue arrecadar essa dívida (das empresas), tem cada vez menos dinheiro para pagar precatórios ou investir em saúde e educação”, observa o advogado, afirmando que a negociação de precatórios onera credores e contribuintes.

Governo utiliza recurso para não aceitar créditos

A emenda constitucional 69/2009 alterou a forma como os precatórios devem ser pagos. No caso do Rio Grande do Sul, ela prevê que 1,5% da receita líquida corrente seja destinada ao pagamento da dívida. Em média, esse valor corresponde a R$ 350 milhões ao ano. Enquanto isso, o Conselho Nacional de Justiça calcula que o Estado tenha um passivo de R$ 8 bilhões com os precatoristas. O coordenador da procuradoria fiscal da PGE, Cristiano Bayne, afirma que o governo tem respeitado a norma. “A PGE está trabalhando para regularizar os pagamentos”, pontua.

Bayne revela, ainda, que a Fazenda tem 10 dias para se manifestar sobre aceitar ou não precatórios na penhora de execução fiscal. Segundo o coordenador, apenas casos em que esse período não é observado acabam sendo acatados pela Justiça. “As empresas não estão ganhando nada comprando esses precatórios, pois o Estado vai mandar a leilão, e o valor pago vai ser o de mercado”, acrescenta.

Projetos de lei procuram reduzir a longa espera dos credores

Para tentar amenizar os entraves do pagamento a conta-gotas, surgem projetos de lei (PL) com a proposta de dinamizar o uso dos créditos, sem esquecer do volume de recursos destinados a esse fim. O deputado estadual Ronaldo Santini (PTB) já conseguiu emplacar uma lei, e conduz um PL na assembleia acerca dos precatórios. A Lei 13.778/2011, aprovada neste ano, prevê a quitação das dívidas do Estado através da permuta de bens dominicais (bens obtidos através de dívidas) que estejam em desuso.

Santini explica que para colocar a matéria em prática, basta a Secretaria da Administração e Recursos Humanos (Sarh) emitir uma relação com imóveis e terrenos de posse do governo que estejam nessa condição. “A secretaria está fazendo isso junto ao Judiciário para respeitar a ordem de chegada do título de precatórios”. Ele esclarece que a troca entre os títulos e as propriedades não seria enquadrada nos 1,5% da receita voltada ao pagamento dos precatórios, mas constitui uma alternativa extra para o problema.

Já o PL 157/2011, também de autoria de Santini, permite que os credores utilizem os créditos para aquisição de imóveis através de financiamento no Banrisul. Apesar das dúvidas sobre possível prejuízo para o banco, o deputado diz que os juros e o valor excedente ao do crédito ficariam a cargo do credor. Na prática, as parcelas do financiamento seriam garantidas pelo Estado, o que, segundo o parlamentar, ampliaria o volume de servidores e credores beneficiados. Isso porque em vez de pagar o valor integral do precatório a uma pessoa, poderia utilizar a mesma quantia para várias parcelas de diferentes precatoristas.

“O governo pode limitar o tempo de financiamento, e uma dívida que teria que pagar inteira poderia pagar em 180 vezes, por exemplo, poderia liquidar vários precatórios ao mesmo tempo”, destaca. Nesse caso, os recursos seriam advindos da parcela da receita para o pagamento dos precatórios. O projeto já passou pela CCJ e espera por votação dos deputados em plenário.

Mayara Bacelar

Jornal do Comercio