Deputados gastam 10x mais em combustível do que viaturas da BM

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4246710Deputados estaduais estão sendo investigados pela Polícia Civil, Ministério Público (MP) e Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) sobre o uso indevido de dinheiro destinado ao abastecimento de veículos. A média de gastos dos deputados por automóvel chega a quase 10 vezes mais que a despesa de uma viatura da Brigada Militar, como mostra a reportagem do RBS Notícias (veja o vídeo).

Novas suspeitas de irregularidades no uso desses recursos, chamados de verbas indenizatórias, surgiram após as denúncias contra o deputado Dr. Basegio, do PDT. Ele é suspeito de exigir parte do salário de funcionários do gabinete e de fraudar os valores de gastos com diárias e com combustível.

Em 2014, os deputados estaduais gaúchos gastaram quase R$ 4,5 milhões em transporte. O valor inclui cartão de combustível para abastecimento nos postos e indenização pelo uso do carro particular, de R$ 0,86 por quilômetro rodado.

Cada gabinete pode cadastrar até três veículos para receber os recursos. No total, os 55 gabinetes possuem 129 carros cadastrados, o que dá uma média de R$ 35 mil por automóvel. O valor é quase 10 vezes a despesa média por uma viatura da Brigada Militar, cuja despesa média é de R$ 3,7 mil.

“Como na Assembleia a maioria dos parlamentares é do interior, tem a questão das estradas ainda sem asfalto. Não vejo por aí, acho que a média tinha que ser mais fiscalizada ou medida levando em conta as estradas, e como andam. Não é só dentro nas cidades, como é o caso da Brigada. Acho que a comparação não fecha”, argumenta o presidente do Legislativo, Edson Brum (PMDB).

Em um ano, o gasto total dos carros cadastrados pelos deputados se equipara a 11 meses de consumo de todas as quase 2 mil viaturas da Polícia Civil. Segundo dados do Portal da Transparência, quem lidera o ranking de despesas com viagens, incluindo diárias, é o deputado Gilberto Capoani, líder da bancada do PMDB.

“Eu sou um deputado que não tenho uma base concentrada. A minha votação é espalhada pelo Rio Grande, em torno de 400 municípios. É Itaqui, Uruguaiana, Aratiba, região do Vale do Paranhana. Sou o deputado mais votado região de Santa Maria. Então isso demanda que a gente ande muito”, justifica Capoani.

Em reportagem exibida no Fantástico, Neuromar Gatto, ex-chefe de gabinete do deputado Dr. Basegio, denunciou desvios nas verbas de combustíveis. Ele mostrou que costumava levar carros do gabinete para aumentar a quilometragem do medidor e assim receber mais recursos, a mando do deputado.

Cartão é usado indiscriminadamente
Em um vídeo, ele também demonstra a fragilidade do controle dos cartões de combustíveis. Ele abastece o próprio carro particular, que não era cadastrado no gabinete de deputado, com o dinheiro da Assembleia. “Acabei de abastecer meu carro particular para descer a Porto Alegre. Abasteci com o cartão Good Card da Assembleia Legislativa”, diz o ex-assessor nas imagens.

A deputado Juliana Brizola, do PDT, está entre as que mais gastaram com combustíveis: R$ 112 mil. Registros da Assembleia mostram que no dia 24 de novembro de 2014, um carro cadastrado pelo gabinete foi abastecido com a senha de um assessor às 13h25 em Torres, no Litoral Norte. Menos de duas horas depois, a mesma senha foi usada para abastecer outro carro cadastrado, às 14h40, em Bagé, a mais de 500 quilômetros de distância.

Além disso, o assessor da deputada estava em férias, entre 4 de agosto e 2 de setembro, quando a senha dele foi utilizada em abastecimentos em pelo menos 12 cidades: Alegrete, Bagé, Pinheiro Machado, Caçapava do Sul,  Porto Alegre, Barra do Ribeiro, Pântano Grande, Esteio, Lajeado, Soledade e Santa Cruz  do Sul.

O Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) está investigando as suspeitas. “A regra justamente é usar cartão em uso público em benefício para deslocamento parlamentar ou de assessor usando veículo contratado para tanto. E verifica-se, se for comparar com consumo do carro, média do carro e valores envolvidos, que há uso indiscriminado do cartão, o que permite inferir desvio de finalidade. É isso que estamos focando agora”, diz o diretor-geral do TCE, Valtuir Nunes.

Na Polícia Civil, foi aberto inquérito para investigar suspeita de desvio de combustível da Assembleia. Em maio do ano passado, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu, em Rio Grande, dois cartões de combustíveis que deveriam ser de uso exclusivo do gabinete do deputado Catarina Paladini, do PSB. Os cartões estavam no carro de um assessor a serviço de uma construtora do tio dele.

“O condutor era funcionário de outra empresa e estava usando veículo para serviços da empresa. Dentro do veículo esse cartão de abastecimento da Assembleia Legislativa. Já haviam tickets de abastecimento comprovando que esse cartão tinha sido usado pra abastecimento desse veículo”, diz o chefe da PRF em Pelotas, José Dourado.

Em depoimento à polícia, o motorista da construtora disse que estava usando o carro do assessor porque a caminhonete da empreiteira havia estragado e que fez três abastecimentos do veículo com a senha de Márcio das Neves, policial militar que na época era lotado no gabinete do deputado Paladini.

“Em tese, o aproveitamento dessas possibilidades de custeio financeiro que a Assembleia Legislativa oferece aos parlamentares serve para o desenvolvimento da atividade parlamentar. Se uma determinada empresa privada se vale desses recursos, cartões ou recursos financeiros para atividades privadas suas, isso equivale a apropriação de dinheiro público, peculato”, atesta o promotor de Justiça José Alexandre Alan.

O deputado Catarina Paladini diz que soube do caso pela reportagem. “Na verdade vou ter que apurar isso se de fato houve, como vocês estão trazendo o fato à tona agora, e responsabilizar envolvidos, ver o caminho mais adequado. Para mim causa estranheza, porque sempre foi e é de praxe, os veículos aqui são utilizados apra desempenho da atividade parlamentar”, afirmou o deputado.

A delegacia que investiga casos de corrupção envolvendo órgãos públicos abriu inquérito para investigar a denúncia. “O deputado tem foro privilegiado no Tribunal de Justiça. Vamos primeiro ouví-los na condição de testemunha e depois verificar qual é a efetiva implicação de todas as pessoas envolvidas nesse fato”, afirmou o delegado Daniel Mendelski Ribeiro.

Em nota, a deputada Juliana Brizola informou que os dois veículos da Assembleia em nome dela estavam com dois assessores. Quem abasteceu o carro em Bagé, segundo a parlamentar, não tem a senha para fazer o abastecimento e que, por isso, utilizou a de outro assessor, com autorização. Já o deputado Catarina Paladini disse que identificou e notificou o ex-servidor para que devolvesse o dinheiro público. Segundo o parlamentar, o valor reajustado, já devolvido, é de R$ 496,50.

G1 RS