Com 55 homicídios, início de agosto é o mais violento desde 2011

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17563206Especialistas apontam o que explicaria a onda de assassinatos: incerteza no policiamento, saídas temporárias no Dia dos Pais e guerra do tráfico

Pelo menos 55 homicídios, ocorridos nos últimos 10 dias, fazem desse começo de agosto o mais violento desde 2011, quando o jornal Diário Gaúcho começou a fazer o acompanhamento dos assassinatos na Região Metropolitana. No mesmo período do ano passado, foram 42 mortes violentas.

Conforme levantamento da Agência RBS, pelo menos 32 assassinatos em 72 horas foram registrados entre a tarde de sexta-feira e a manhã desta segunda-feira em todo o Rio Grande do Sul. Se o dado chama a atenção, a violência dos crimes salta aos olhos: foram três chacinas, todas elas em Porto Alegre, e quatro duplos homicídios no período.

Em um ambiente contaminado por fatores como a incerteza de policiamento e saídas provisórias de apenados para o Dia dos Pais, encontrar as razões para a sensação de escalada na criminalidade não é uma tarefa simples — multifatores podem ter contribuído para a onda de homicídios, alertam especialistas.

— Há uma situação grave na segurança pública no Estado, mas seria precipitado afirmar que há um descontrole total a partir de um fim de semana ou de um caso pontual. Às vezes, o que está por trás disso é a desestabilização do mercado da droga, quando lideranças são presas ou mortas e há disputa de territórios. Em São Paulo, por exemplo, boa parte da queda de homicídios se deu pelo monopólio do PCC (Primeiro Comando da Capital), e não pelas políticas de segurança pública — diz o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo.

Para o chefe da Polícia Civil, delegado Guilherme Wondracek, ainda é cedo para avaliar o que determinou tantas mortes:

— Se foi a liberação de presos em razão dos Dia dos Pais, se é a sensação deles de que, em protesto a polícia não está trabalhando, ou se é efeito de disputas da criminalidade. Ainda não sabemos. É uma análise que precisa ser feita depois de conseguirmos solucionar todos os crimes. Então, saberemos autorias e motivações. O trabalho não parou o fim de semana inteiro. Vamos dar uma resposta positiva à sociedade — garante.

Veja quais são os principais fatores apontados por especialistas para explicar a mais recente onda de homicídios no Estado:

1. Incerteza no policiamento

O histórico déficit na Brigada Militar (BM) e na Polícia Civil teria se agravado com o corte de horas extras imposto pelo governo Sartori em janeiro, no primeiro pacote de contenção de despesas. Na prática, há menos homens nas ruas, afirmam servidores — oficialmente, as corporações negam. A sensação de insegurança se agravou na semana passada, após o fatiamento dos salários do funcionalismo estadual pelo Executivo. Em protesto, delegados da Polícia Civil e oficiais da BM anunciaram a operação-padrão, que inclui a suspensão de operações e a realização apenas de ações rotineiras. Como consequência, criou-se a incerteza no policiamento efetivo.

— Essa situação pode favorecer acertos de contas porque grupos em conflitos se valem desse vazio na segurança pública e procuram atuar sabendo que a chance de impunidade é muito maior do que geralmente acontece. Para delitos eventuais, como conflitos domésticos, isso não terá impacto, mas, pelo que se pode perceber dos casos do último fim de semana, boa parte deles possivelmente tenha sido uma ações planejada, o que pode ter relação com essa crise — avalia Azevedo.

Responsável pelo policiamento da Capital — onde ocorreram 18 do total de assassinatos —, o tenente-coronel Mário Ikeda discorda:

— Não atribuo o aumento de homicídios neste fim de semana a questões salariais dos servidores estaduais porque o número de policiais militares não reduziu e eles não deixaram de trabalhar nas ruas.

2. Saídas temporárias no Dia dos Pais

Detentos dos regimes semiaberto e aberto têm direito a 35 dias de saídas temporárias distribuídas ao longo do ano, conforme a Lei de Execuções Penais. Em função do Dia dos Pais, 1,2 mil apenados teriam deixado as prisões neste fim de semana — segundo a promotora de Justiça da 1ª Vara do Júri da Capital, Lúcia Helena Callegari. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) não confirma o dado. Até o momento, apenas informou que dos sete institutos penais da Região Metropolitana, 166 presos receberam o direito.

— Entendo que a grande questão desse final de semana tenha sido o “indulto” de Dia dos Pais, comungado à questão que estamos em um final de semana com um grande número de saídas temporárias e à sensação da população de que os policiais não estão agindo tanto. Mas nós estamos em uma escalada do crime que, ou se toma conta, ou a criminalidade vai tomar conta — disse a promotora em entrevista à rádio Gaúcha.

No fim de semana do Dia das Mães, porém, 1.261 detentos foram autorizados, judicialmente, à saída temporária — e, no período, o Estado registrou seis homicídios. A Susepe não informou quantos apenados foram liberados no período de Dia dos Pais de 2014, quando o Rio Grande do Sul contabilizou 17 assassinatos.

3. Guerra do tráfico

Dentre os 30 homicídios ocorridos no fim de semana, mais da metade apresenta características de execução. Por isso, autoridades avaliam que desavenças motivadas pelo tráfico de drogas possam ter influenciado a disparada nas mortes.

— Fora a ocorrência atípica na Restinga (quando três mulheres e uma criança foram mortas com cortes no pescoço na madrugada de sábado em uma casa), observamos a mesma forma de atuação: brigas, principalmente, por disputa do tráfico de drogas, até porque temos uma grande incidência de vítimas com antecedentes criminais _ acredita Ikeda.

Diretor do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da UFRGS, o sociólogo José Vicente Tavares aponta para uma crise institucional na segurança pública que prejudica o controle da criminalidade — e a consequente redução de homicídios:

— Há falta de integração das polícias, falha na investigação criminal, ausência de efetivos adequados e, por outro lado, a comum oferta de armas. Isso tudo produz um contexto no qual a violência reaparece como uma forma de resolver conflitos.

* Colaborou Eduardo Torres

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