Crise financeira do Estado motiva pedidos de aposentadoria na Polícia

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img_4881_copia-985794De acordo com as entidades, mais de 2,4 mil PMs já pediram aposentadoria em 2015

Porto Alegre – As incertezas do momento econômico do Estado e a apresentação de projetos pelo governo que colocariam em risco direitos adquiridos pelos servidores estão causando um efeito de desmonte em alguns setores do serviço público. Pilar da segurança pública e responsável pelo policiamento ostensivo preventivo nos 497 municípios gaúchos, a Brigada seria uma das mais atingidas. É o que garantem lideranças das entidades de classe da corporação, ao alertarem que da última sexta até esta quarta-feira um total de 1016 policiais militares teria entrado com pedido de aposentadoria junto aos seus comandos. Além das mazelas do parcelamento do salário, o principal motivo seria o Projeto de Emenda Constitucional 244/15, apresentado na última semana pelo Executivo a Assembleia Legislativa.

A proposta retira da Constituição Estadual a norma sobre o tempo mínimo de serviço para a inatividade remunerada, hoje de 30 anos para homens e de 25 anos para mulheres, e que passará a ser disciplinada por meio de lei complementar, com o tempo de serviço devendo ser ampliado. “Isso caiu como uma bomba na base da Brigada, até porque fica claro que o governo quer isso. Desmotivou e trouxe desânimo aqueles que já estavam por se aposentar e abatidos com o parcelamento do salário, que já é um dos mais baixos do País”, assinala o presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Brigada Militar (Abamf), Leonel Lucas. Pelos cálculos da entidade, se somam aos 1016 outros 1400 PMs que teriam buscado a reserva remunerada entre janeiro e junho deste ano. “Se mantida a crise e principalmente se essa PEC passar, por volta de 5 mil sairão este ano”, projeta Lucas, ilustrando o que seria um número recorde nas últimas décadas, em função de que a média anual de baixa é de 650 a 1200 servidores.

Comando contesta

Diretor do Departamento Administrativo (DA), da Brigada Militar, o coronel Fernando Alberto Grillo Moreira discorda dos números da Abamf e ASSTBM. “Se fosse esse número de 1016 daria quase 200 por dia e, convenhamos, isso chamaria a atenção de todos. Não sabemos de onde eles (as entidades) tiram esses números”, critica Moreira. Contudo, pondera que os requerimentos podem estar tramitando nas unidades onde os servidores estão destacados e ainda não terem chegado ao DA. “Mas ontem (quarta) tivemos uma reunião com todos os comandantes, se essa realidade fosse concreta, já saberíamos. E acompanhamos isso diariamente”, argumenta. Grillo revela que de janeiro até a última quarta-feira um total de 1042 PMs se aposentou, mas confirma que há mais na fila de espera. “Temos entre 430 e 460 que já encaminharam documentação. O trâmite leva entre 30 e 60 dias”, esclarece, observando que a realidade dos que se aposentam é de quem cumpriu os 30 anos de serviço e o que o PLC enviado a Assembleia, caso aprovado, incidirá somente em quem entrar para a BM após a sanção da nova lei.

Operação padrão

À frente da Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar (ASSTBM), Aparício Santellano não esconde a indignação com o atual momento de crise das finanças e que estoura em áreas sensíveis, como a segurança e seus servidores. “O governo brinca com o funcionalismo, toca o terror nos brigadianos. Tira a boa vontade em permanecer”, frisa, projetando que a ida para a reserva em massa estimada para este ano pode fazer com que pequenos municípios do interior fiquem, efetivamente, sem PMs. “Vai ser uma ginástica para o comando”, pontua. Prestes a ser anunciada, a possível greve do funcionalismo público, no dia 18, não atingirá a BM, que por força de sua legislação interna é proibida de aderir a uma greve. Porém, Santellano acredita que a greve, se deflagrada, levará a uma Operação Padrão. “Como não podemos fazer greve, a ideia é operação padrão. Ou seja, se não tiver combustível a viatura não vai pra rua, se não tiver licença também não vai. E o PM, se não tiver coturno, não vai de chinelo de dedos. Não terá jeitinho”, garante.

Efetivo em queda

Conforme a Abamf e a ASSTBM, atualmente 17 mil policiais militares compõem o efetivo da Brigada Militar, entre operacionais e administrativos. “O ideal seria 33 mil, mas isso não se conhece há horas. Lá no governo Collares, há mais de 15 anos, chegou a ter 28 mil”, exemplifica Leonel Lucas. Opina que o drama da segurança e os reflexos no dia a dia da população tendem a se agravar não apenas com a saída dos PMs, mas com a negativa do Palácio Piratini em chamar 2 mil concursados, aprovados em 2014. “A partir do decreto editado no início do ano de não contratar ninguém, toda essa turma, que precisaria ainda de formação de quase um ano, está no aguardo. É lamentável”, critica. Lucas afirma, ainda, que o Estado estaria protelando a formalização das aposentadorias, de trâmite médio de 30 dias. “Estão segurando, fazendo demorar muito mais do que isso, justamente pela crise e a falta de PMs”, bate.

Comando afirma que policiamento não será afetado

O comandante do 25º Batalhão de Polícia Militar (BPM) de São Leopoldo, tenente-coronel Nélio Tedesco, que responde temporariamente pelo Comando Regional de Policiamento Ostensivo (CRPO) Vale do Sinos, afirma saber da possibilidade de mudança na Constituição, mas que não nada de concreto nesse sentido. “Foi comentado, ventilado no setor, mas não nenhum comunicado oficial e nada foi apresentado de maneira formal sobre mudança em critérios de aposentadorias.”

Tedesco admite que, se as alterações realmente ocorrer, haverá aumento nos pedidos de reserva dentro da Brigada Militar. “Porém, ressalto que o policiamento de rua não será afetado. Quem está para se aposentar trabalha em escolas e na parte administrativa. São os mais jovens que fazem o trabalho ostensivo, então não haverá alterações na nossa presença junto a comunidade.” Segundo ele, anualmente a BM recebe entre 700 e 800 pedidos de aposentadorias. “O que ocorre é que estamos há três anos sem nenhuma inclusão de novos policiais militares. Há uma turma formada há dois anos que ainda não foi chamada. É por isso que a tropa é antiga e pode ter sim uma saída em massa.” O comandante explica que a principal mudança seria de passar para 30 anos efetivos de Brigada Militar o tempo de serviço tanto para homens quanto para mulheres. “Hoje o pessoal soma tempo de Exército para chegar aos 30 anos e acessar a reserva remunerada.”

Este é exatamente o caso do sargento de São Leopoldo Paulo Adriano Gonçalves Leite, 47 anos, dos quais 28 anos de Brigada Militar. “Encaminhei o pedido dia 4 de julho. Somei quatro anos de Exército e então fechei 32 anos. Teria mais oito para trabalhar e o faria com gosto, pois amo ser policial militar, mas estamos sem nenhuma perspectiva de melhoria, mas sim de piora de nossa corporação, por isso decidi sair agora.” Sobre as possíveis mudanças, o sargento afirma que a rejeição é unânime. “Tá todo mundo reclamando. Não podemos fazer greve, mas o pessoal vai para rua protestar. A prova é de que sabemos que mais de mil brigadianos pediram aposentadoria nos últimos meses.”

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