LUCIDEZ QUE ENLOUQUECE

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É impossível erradicarmos as mazelas administrativas e operacionais na área da segurança pública se não priorizarmos a valorização humana, principalmente no que tange à criação de políticas públicas que preservem a saúde mental dos polícias militares, pois a negligência política compromete a saúde dos servidores. Neste triste cenário, para grata surpresa dos necessitados, o advogado acaba ocupando um espaço de destaque, pois se torna um fomentador da jurisdicionalização de políticas públicas toda vez que atua na defesa de seus clientes. Assim, o Estado passa a exigir do agente político um maior comprometimento social com as demandas da sociedade tão carente de exercício das garantias fundamentais.

Recentemente, o descaso político atingiu diretamente a saúde emocional dos funcionários públicos do Estado, principalmente dos integrantes da polícia militar, que não podem exercer o direito de greve. Todos foram mantidos desnecessariamente sob estresse. O governador foi infeliz ao suspender a nomeações de novos servidores; ao cortar mais de 40% das horas extras dos servidores da segurança e ao incitar os policiais militares a exercerem outras atividades remuneradas, paralelas à função pública. Esse comportamento político acabou agravando a crise institucional nos órgãos policiais, pois os funcionários sentiram-se desvalorizados e administrativamente violentados, o que é um grave erro de principio administrativo para quem lida com o gerenciamento profissional de seres humanos.

O governador precisa se preocupar com a saúde mental dos que sofrem calados: os policiais militares. Precisa entender sobre a formação profissional desses homens, um processo de sofrimento desnecessário. O calouro sofre a pressão constante de diretrizes totalitárias que muitas vezes, mascaradas por uma concepção de hierarquia e disciplina, escondem, na verdade, a sua própria despersonalização.

Essa transformação psicológica mantém constantemente o calouro em estresse agudo, nocivo para a saúde mental do profissional e, por consequência, da sociedade receptora de seus serviços. Sobre esse aspecto os professores José Osmir Fiorelli e Rosana Cathya Ragazzoni Mangini ensinam que “o estresse prolongado e os eventos traumáticos afetam as características de personalidade. Esse fenômeno ganha crescente interesse porque o aumento da violência e dos conflitos dissemina o estresse e o trauma na sociedade contemporânea, com efeitos físicos e psíquicos. (…) Quando a funcionalidade fica comprometida, caracteriza-se, então, prejuízo para a saúde mental e pode-se desenvolver um quadro de transtorno de personalidade”. É muito comum um policial, com algum tipo de transtorno de personalidade, ficar desamparado e ser injustamente excluído das fileiras da tropa a bem da disciplina.

Isso ocorre pela falta de política pública capaz de preservar a saúde mental dos policiais militares. Com esse quadro, politicamente imposto e, disfarçadamente exposto, não há como angariar resultados satisfatórios na prestação do serviço de segurança pública, pois o policial militar é marginalizado e segundo o ensino do jurista argentino Raul Zaffaroni “submete-se o operador a uma disciplina militarizada, proíbe-se-lhe sindicalizar-se (com isso lhe é vedada a possibilidade de desenvolver horizontalmente uma consciência profissional), sua estabilidade no trabalho é sempre precária (transferências frequentes), seu treinamento é deficiente, destinam-se-lhe tarefas de repressão vinculadas aos interesses políticos de ocasião […]. São-lhe associados estigmas, tais como o de pouco confiável, desonesto, bruto, simulador, hipócrita e inculto. O estereótipo policial acha-se tão carregado de racismo, preconceitos de classe social e outros tão deploráveis quanto aqueles que compõem o estereótipo criminal pelo próprio poder político.”

A novidade satisfatória é que a falta de políticas públicas criou um espaço jurisdicional no qual o advogado poderá atuar. Uma modernização salutar para os poderes constituídos do país, que com certeza, trará uma nova construção social do entendimento humano sobre nossas preocupações solidárias, não mais egoístas.

Nesse ambiente o advogado deve atuar como um colaborador importante da sociedade brasileira, sempre em busca da justiça e do respeito ao cidadão brasileiro. Agora já é possível ao advogado impulsionar o poder judiciário na garantia de realização das políticas públicas necessárias, quando houver negligência do poder executivo, ameaçando a garantia do mínimo existencial.

O controle jurisdicional de políticas públicas é uma realidade, não deixando mais espaço para o entendimento retrógrado de que o judiciário deve eximir-se dessa responsabilidade por conta da teoria da separação de poderes. Isso não serve mais, pois tal controle representa a conquista democrática de novas ações fundamentais para a implementação e efetivação dos objetivos da República Federativa do Brasil e nesse novo cenário o advogado desempenha um papel importante, acreditem.

Portanto a administração da coisa pública, exercida na busca do bem estar social de seus funcionários, com base na garantia do livre exercício dos direitos fundamentais, é um exemplo de mecanismo eficiente para a melhoria das relações de trabalho. Assim é possível qualificar-se os ambientes profissionais, adequando-os à organização e multiplicação desses mecanismos democráticos e salutares na construção e realização dos objetos administrativos modernos, oriundos de políticas públicas necessárias e onde os funcionários podem contar com o trabalho de advogados no exercício de seus novos papeis sociais e na garantia de seus direitos básicos.

Ângelo Curcio

OAB/RS 91.218

Postagem Comunicação DEE ASSTBM

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