GAUCHAZH: Estado se ampara em estudo sobre envelhecimento para justificar revisões em carreiras de servidores

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Leite considera as alterações fundamentais, mas entende que será preciso projetos complementares para assegurar as aposentadorias e pensões de servidoresRonaldo Bernardi / Agencia RBS

Nota técnica elaborada a pedido do Palácio Piratini indica que, em 2060, um em cada três habitantes do Rio Grande do Sul terá mais de 65 anos. Com base nisso, governo cogita alíquotas extraordinárias para funcionalismo

GAUCHAZH

É com base em estimativas demográficas que o governo de Eduardo Leite discute medidas para preparar o Estado para o envelhecimento da população – e encarar suas consequências sobre o serviço público. Entre elas, estão ações complementares à reforma da Previdência, que deverão incluir a definição de alíquota de contribuição extraordinária para o funcionalismo e virão acompanhadas da reformulação de carreiras.  

Em quatro décadas, segundo projeção do Departamento de Economia e Estatística (DEE), quase um terço dos habitantes do Rio Grande do Sul terá mais de 65 anos. Tal característica – associada ao fato de que o território vem perdendo profissionais para outras regiões – indica um futuro com menos mão de obra, que tende a agravar a situação do sistema previdenciário estadual.

A conclusão é de nota técnica elaborada pelo DEE, remanescente da extinta Fundação de Economia e Estatística (FEE), para subsidiar projetos e debates no Palácio Piratini. A base dos dados é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

— Nosso objetivo é mostrar o panorama. Todos vão enfrentar o envelhecimento populacional, mas o Rio Grande do Sul chegou antes a esse estágio — sintetiza um dos autores da nota, o economista Bruno Paim.

Hoje, 12,7% dos homens e mulheres que vivem em terras sul-rio-grandenses superam a faixa etária dos 65 anos. Em 2060, deverão ser 29%, percentual acima do projetado para o Brasil no período. Aqui, a perspectiva de sobrevida (expectativa de idade além dos 65 anos) também é maior em comparação com a média brasileira.

Se os números mostram algo a ser comemorado (estamos vivendo mais, afinal), também sugerem que o Estado está envelhecendo mais rápido. Entre gaúchos, o bônus demográfico – quando a proporção de adultos em idade ativa (15 a 64 anos) cresce em relação à de idosos e crianças – se esgotou em 2014, quatro anos antes da virada no país. 

A consequência é o aumento da proporção de idosos em relação a pessoas aptas a trabalhar. Fenômeno que é reforçado pelo saldo migratório negativo.

— Outros estados do Sul e do Sudeste, que têm expectativa de vida e taxa de fecundidade similares às do RS, têm compensação em seu envelhecimento pela migração. Isto é, recebem mais gente do que perdem. Conosco é o inverso, e isso preocupa. O Estado precisa pensar formas de atrair imigrantes e reter os jovens — alerta o estatístico Pedro Zuanazzi, que também assina a nota técnica.

A velocidade da mudança angustia quem precisa pensar e propor políticas públicas e lidar com a escassez de recursos.

— Teremos impactos nas áreas de saúde, infraestrutura e de assistência social. Na Previdência, isso já está acontecendo. 

— A grande questão é: como fazer para sustentar as pessoas, que vão viver cada vez mais? Temos de buscar respostas, e a sociedade pode e deve ajudar — diz a secretária estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos.

André Ávila / Agencia RBS
Secretária estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany LemosAndré Ávila / Agencia RBS

Na prática, os apontamentos do DEE já estão subsidiando a elaboração de medidas adicionais à reforma previdenciária em debate no Congresso. Leite considera as alterações fundamentais, mas entende que será preciso apresentar projetos complementares para assegurar as aposentadorias e pensões de servidores, dada a gravidade dos indicadores demográficos. Só em 2018, o rombo sugou 33% da receita do Estado.

Além de alíquota extraordinária para servidores, há outros projetos em estudo que afetarão o funcionalismo, com a reformulação de carreiras. As classes prioritárias para o governo estadual  são Brigada Militar e professores, que se aposentam antes dos demais. Detalhes ainda não foram divulgados porque o Estado espera resultados de Brasília e quer, antes de levar as medidas a público, apresentá-las aos sindicatos. Entidades como a Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (Fessergs) são contrárias às ações e defendem soluções alternativas – como retirada de isenções fiscais e o combate à sonegação. 

De acordo com Leany, as projeções do DEE também devem estar no radar do Plano Plurianual, que define programas, ações e metas para os próximos quatro anos. Espécie de carta de intenções do governo, o documento está em discussão e precisa ser enviado à Assembleia até agosto.

Na avaliação do professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Sabino da Silva Porto Junior, especialista em crescimento e distribuição de renda, o diagnóstico apresentado está correto e as perspectivas em debate também.

– Precisamos melhorar nossa produtividade se quisermos preservar conquistas sociais – diz o pesquisador.

Cenário demográfico no RS e no Brasil

  • Em 2019, a população de zero a 14 anos no RS representa 18,3% do total, frente a 21,1% no Brasil. Estima-se que, em 2060, essa proporção se reduza para 14% e 14,7%, respectivamente. 
  • A população potencialmente ativa (15 a 64 anos) se reduz quando projetada para 2060: no país, de 69,4% para 59,8%; no RS, de 69% para 57%. 
  • Como consequência, em 2060, a proporção de idosos com mais de 65 anos aumentaria de 9,5% para 25,5% no país e de 12,7% para 29% no RS. 
  • O Estado é relativamente mais envelhecido em relação ao país, fenômeno que tende a persistir nas próximas décadas.

Percentual idosos/pessoas consideradas ativas

  • A razão de dependência dos idosos é medida pela proporção entre a população com mais de 65 anos e o grupo de 15 a 64 anos. Reflete a ideia de que os mais velhos dependem economicamente da população considerada apta a trabalhar. 
  • Por ter uma população mais envelhecida do que a soma nacional, o RS chegaria, em 2060, a registrar um idoso (acima de 65 anos) para cada duas pessoas em idade potencialmente ativa (15 a 64 anos). 
  • Hoje, são 5 trabalhadores para cada pessoa apta a trabalhar, situação que só será alcançada no Brasil em meados de 2028.

Bônus demográfico

  • Quando determinada região tem crescimento na proporção de pessoas em idade economicamente produtiva (15 a 64 anos) em relação às populações em idade de dependência (idosos acima de 65 anos e crianças de zero a 15), há bônus demográfico. 
  • Por aqui, essa janela de oportunidades já se encerrou em 2014, quatro anos antes do que no Brasil. Isso preocupa, porque há menos gente trabalhando para sustentar o sistema previdenciário. 

Taxa de fecundidade

  • Em 2019, o RS tem uma das menores taxas de fecundidade (estimativa do número médio de filhos que uma mulher tem ao longo da vida). Atrás apenas de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Distrito Federal. 
  • São 1,68 filhos por mulher, abaixo da média brasileira (1,77) e da taxa de reposição (2,1), índice necessário para que a população não diminua no futuro. 

Expectativa e uso da previdência

  • Outro fator que deixa o RS em condição pior, quando considerada a questão previdenciária, é um dado positivo para a população: a expectativa de vida.
  • No RS, ela é maior do que a média nacional, o que se reflete em maior período de usufruto da Previdência em comparação com a média brasileira.

Conclusões da nota técnica

  1. O Estado está adiantado em relação à média nacional nos temas: queda da taxa de natalidade, aumento da taxa de dependência do idoso, perda do bônus demográfico e crescimento das expectativas de vida e sobrevida. 
  2. Como consequência, características que têm estimulado a discussão da reforma da Previdência em nível nacional (em especial o acelerado envelhecimento populacional e a sustentabilidade do sistema) são ainda mais proeminentes no RS. 
  3. Embora a responsabilidade do Estado sobre a Previdência se limite aos funcionários públicos, há  relação entre a estrutura da população geral e o seu funcionalismo. Isso indica a necessidade de mudanças.