Um foragido por hora no RS

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Prisão não mete mais medo.

A Polícia Civil prende. E muito. A Brigada Militar prende. E muito.

O Ministério Público realiza a sua tarefa de apuração dos fatos e de acusação.

Mas os criminosos não duram em nada nas cadeias.

Nossos júris parecem encenações. É bem possível que um condenado a mais de cem anos esteja em liberdade com um décimo da sua sentença.

Não conseguimos manter o bandido atrás das grades.

Vivemos um círculo vicioso, de eterna reciclagem de violência.

A maior parte das prisões é reincidência.

Nossos policiais e brigadianos têm que prender a mesma pessoa dez vezes. É um verdadeiro escárnio, um despropositado deboche das leis.

Quantos impostos são jogados fora pelo retrabalho de nossos agentes de segurança, de nossos promotores e juízes?

Às vezes, os brigadianos e os policiais prendem alguém, voltam ao batente da rua e, quando retornam a sua corporação ou a sua delegacia, o suspeito já foi liberado.

No ano passado, ao menos um foragido foi recapturado por hora no Rio Grande do Sul, formando um contingente de 9 mil presos com ficha corrida, o que indica aumento de 15,9% no comparativo com 2022.

Não dá tempo nem para mudança de hábitos, para o exame da consciência, para sentir falta dos familiares, para pesar as consequências da transgressão, para valorizar a soltura diante do confinamento, para uma fundamentada reeducação.

Só a ressocialização dos apenados funciona no país, porque eles jamais permanecem nos presídios. É uma ressocialização — ironicamente — rápida e imediata.

Quem assalta não tem mais receio da prisão, porque acabou de sair e logo sairá novamente. Ela não representa o fim da sua vida, ou uma punição pesada pelas suas contravenções.

A detenção passou a ser vista como uma transição obrigatória para obter mais autoridade nas quadrilhas. Trata-se de um batismo de fogo. Ser preso é carreira no Brasil, promoção para receber tarefas mais complexas, sórdidas e sanguinárias.

Além da proteção das facções nas cadeias, com a sua rede de favores e seus advogados, existe a certeza da reversão do quadro.

O presidiário sabe que vai escapar de um jeito ou de outro. Pela redução da pena por fingido bom comportamento. Ou por fugas pela vigilância relaxada e falta de efetivo. Ou pelas saidinhas conquistadas nas datas comemorativas.

Não é que temos um sistema muito brando, é que não seguimos o sistema. O problema maior, do qual não se fala, é o descumprimento na ponta final da estrutura: a ideologização de certa parcela do Judiciário.

Não é que amargamos uma legislação suave, é que não aplicamos rigorosamente a lei, desencadeando uma realidade repetitiva.

Há soltura em etapas forjadas, à base do canetaço. Como só temos o regime fechado nas penitenciárias, sem previsão de condicionamento para o regime aberto e semiaberto, o detento recoloca sua tornozeleira em qualquer animal para despistar seu paradeiro.

A escandalosa impunidade foi chamada de “bandidolatria” pelos promotores de Justiça gaúchos Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza. Ambos escreveram um livro — Bandidolatria e Democídio — apontando que há algo de podre na inércia das autoridades encarregadas de combater a criminalidade no Brasil: o bandido torna-se sempre uma vítima da sociedade e não é responsabilizado por seus atos.

Essa mentalidade é resultado da ideologia de uma oligarquia acadêmica, político-burocrática e jurídica, que não reconhece a dor familiar de 60 mil assassinatos anuais.

O que não percebemos é que aquele que rouba, ao ser solto, ganha confiança para matar, adquire onipotência para subtrair inocentes existências à mão armada.

Ninguém pensa nos direitos humanos dos cidadãos de bem e das vítimas?