Auditoria da Cage aponta que Estado deve R$ 356,6 milhões ao IPE Saúde em contribuições vinculadas a precatórios e RPVs

16540

Passivo equivale a 81% do déficit registrado pelo instituto em 2022 e sua quitação é considerada por servidores públicos uma alternativa para amainar crise financeira

CARLOS ROLLSING GZH

Um comunicado de auditoria da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (Cage) informa que a Fazenda Estadual tem dívida atualizada de R$ 356,6 milhões com o IPE Saúde. O passivo teve origem nos pagamentos de precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs) feitos pelo Tesouro a servidores públicos que obtiveram ganhos de causa na Justiça, a maioria deles relativos à Lei Britto, um aumento salarial que, na prática, não se efetivou. O período de acúmulo do saldo vai de 2004 a 2021, indica o comunicado.

O IPE Saúde é um sistema de saúde que atende cerca de um milhão de gaúchos, sobretudo servidores públicos estaduais e seus dependentes. O plano vive crise financeira e sofreu déficit de cerca de R$ 440 milhões em 2022 – a dívida do Estado apontada pela Cage representa 81% desse valor. Para solucionar o desequilíbrio, o governo Eduardo Leite propôs a aliados políticos uma reforma do IPE Saúde baseada no aumento da alíquota mensal dos servidores, no início da cobrança por dependente, variável entre R$ 49,28 e R$ 501,90, e na elevação de 40% para 50% da coparticipação dos segurados em consultas e exames.

Ao fazer a regularização dos pagamentos dos precatórios e das RPVs ou sofrer sequestro de valores com essa finalidade, o Estado deveria ter repassado ao IPE Saúde as parcelas correspondentes às contribuições do servidor e da parte patronal. Contudo, a Cage registra que as transferências não ocorreram até o final de 2022.

A direção do IPE Saúde, em nota, reconheceu a existência de passivo e reforçou estar em busca da quitação, mas salientou ser uma receita extraordinária que não seria capaz de trazer estabilidade financeira perene (veja nota na íntegra ao final).

Filipe Leiria, presidente do Sindicato dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (Ceape-Sindicato), diz que houve a identificação de que o governo fazia a retenção da parcela do servidor, mas não repassava. Ele reforça que, a partir de meados de 2021, essa prática foi modificada para evitar a continuidade do problema: após a retenção, o departamento de precatórios do Judiciário passou a fazer o repasse diretamente ao IPE Saúde.

No comunicado de auditoria, com data de 27 de dezembro de 2022, a Cage registra que obteve junto à Gerência Financeira do IPE Saúde a tabela do montante devido pela Fazenda Estadual.

O passivo nominal informado foi de R$ 183,6 milhões. A Cage apontou que, em “cenário mais conservador”, as correções e juros fariam a dívida alcançar R$ 356,6 milhões. O IPE Saúde fez tentativas de cobrar o Estado, sem sucesso.

“Em que pese todos os esforços demonstrados, até novembro de 2022 o Tesouro Estadual não pagou os valores referentes à dívida acumulada até dezembro de 2021. Ao contrário, a fazenda pública alega desconhecer parte do montante apresentado, em especial a dívida constituída sobre as contribuições da saúde decorrentes da regularização de RPVs, sem, no entanto, demonstrar inequivocamente o repasse desses valores ou elementos que possibilitem provar que o Estado não é devedor dos mesmos”, diz trecho do comunicado da Cage.

O órgão recomenda que o IPE Saúde leve os fatos ao conhecimento do público e que avalie fazer a cobrança judicial, em caso de novos insucessos nas negociações com a Fazenda Estadual.

“O IPE Saúde precisa comunicar à população informações relevantes sobre fatos que impactam o seu patrimônio, como é o caso das diversas dívidas cujo devedor é o próprio Estado, seus poderes e demais órgãos da administração indireta. Disponibilizar esse tipo de conteúdo em suas redes sociais permitirá à sociedade estabelecer juízo de valor acerca de situações que rotineiramente envolvem o IPE Saúde”, registrou a Cage.

Para Leiria, a cobrança judicial é um dos caminhos que poderá auxiliar no ressarcimento do instituto.

— Neste momento, o Estado poderia enfrentar limites fiscais para repassar esses valores, seja por conta do limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal ou do teto de gastos estadual (em função da queda de receita após desonerações de combustíveis e energia elétrica em 2022). O mecanismo alternativo para se desvencilhar seria judicializar. Se isso virasse uma sentença judicial com cronograma de pagamento, poderia ser repassado. O que há de exceção nos regramentos de limites fiscais são as sentenças da Justiça — diz Leiria.

Sobre a hipótese de a alternativa se arrastar na Justiça, ele avalia que o expediente não necessariamente pressupõe litígio.

— O Estado poderia reconhecer (a dívida) administrativamente e convalidar (na Justiça). Uma sentença pode até favorecer o Estado — avalia Leiria, a respeito das amarras fiscais.

Para Antonio Augusto Medeiros, presidente do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo do Rio Grande do Sul (Sintergs), houve uma apropriação indevida de recursos.

— Mais uma vez, fica demonstrado que há alternativas e que a conta não pode cair nas costas do servidor, principalmente os de baixo salário. É um repasse devido que amenizaria a situação — afirma Medeiros.

O que diz o IPE Saúde

“Como destacado na época pelo próprio comunicado da Cage, o IPE Saúde segue buscando reaver esses valores. Hoje eles são discutidos no âmbito administrativo, no centro de conciliação e mediação do Estado do Rio Grande do Sul. Essa discussão envolve a mensuração dos valores nominais devidos.

Importante salientar que se trata do pagamento de uma dívida e representaria uma receita extraordinária. Os valores reduziriam a dívida histórica do instituto, mas não o déficit recorrente, persistindo o desequilíbrio financeiro estrutural e não resolvendo o atual cenário, em que as despesas são maiores que as receitas.”